Em Leça da Palmeira existe uma capela dedicada a S. Pedro Gonçalves Telmo e que é conhecida pela designação de Capela do Corpo Santo. Trata-se duma construção de meados do séc. XVI, possuindo um portal de estilo renascentista e um alpendre com galilé de onde se tinha uma vista privilegiada sobre o mar e o estuário do Rio Leça. A fundação desta capela está associada, segundo a tradição, ao pagamento duma promessa feita pelo capitão e tripulantes da nau “Nossa Senhora da Conceição” que em 1557, tendo enfrentado uma grande tempestade, conseguiram pôr o navio a salvamento devido à intervenção miraculosa de S. Pedro Gonçalves Telmo. (1)
O local escolhido para a construção desta capela é emblemático da sua ligação à importante comunidade de marinheiros de Leça da Palmeira e Matosinhos, uma vez que este local era onde se localizava o Sinal e a “Casa do Facho”, para vigia e sinalização da entrada de embarcações em Leça. Esta capela, que foi recentemente restaurada, possui uma imagem de S. Pedro Gonçalves Telmo e uma outra de S. Vicente. Possui ainda uma réplica em miniatura dum galeão, representando o navio “Nossa Senhora da Conceição”, que está relacionado com a tradição que explica a origem desta capela.
Desde o final da Idade Média e até aos inícios do séc. XIX Leça da Palmeira foi um dos mais importantes portos da região, com uma significativa população que se empregava como marinheiros e capitães de navios. Neste contexto será fundada também a “Confraria de S. Pedro Gonçalves Telmo de Leça da Palmeira” cujos primeiros estatutos conhecidos datam de 1774, posteriormente reformados em 1878 e 1900. Esta confraria, atualmente extinta, organizava também a sua festa anual com procissão solene.
Algumas tradições já desaparecidas e ainda referenciadas no início do séc. XX são também muito interessantes. Na festa solene, realizada pela Pascoela, distribuía-se o “Pão do Fastio” ao qual eram atribuídas as propriedades de ser um pão capaz de tirar qualquer enjoo, fosse ele de mareante, fosse o das mulheres grávidas. Um outro costume, ainda registado no início do séc. XX, era o de quando um navio se atrasava a chegar à barra de Leça, se enviarem três donzelas varrerem o adro da capela do Corpo Santo com um pau de loureiro e uma reza, o que faria com que o navio apanhasse vento favorável e chegasse mais rapidamente ao seu destino.
A partir de inícios do séc. XX a devoção religiosa em torno de S. Pedro Gonçalves Telmo foi decaindo, sendo progressivamente substituída por outras irmandades, nomeadamente a do Bom Jesus de Matosinhos e a do Mártir S. Sebastião. (1)
D. Rodrigo da Cunha cita, entre as Igrejas da Comarca da Maia, S. Miguel-da-Palmeira, à qual pertencia a Ermida do Corpo Santo, que ainda hoje se vê, com a sua galilé, donde domina o mar.
Seria construída pelos marinheiros da nau “Senhora da Conceição”, em cumprimento de um voto feito em 1557, quando se viram perdidos no meio de um temporal e invocaram o Corpo Santo.
Sobre a galilé abriu-se um nicho, onde colocaram a imagem da Virgem, e dentro da capela, à esquerda, ainda está uma nau em miniatura e no altar a imagem de S. Pedro Gonçalves Telmo, que sustenta as três velas – vermelha, verde e branca – ficando esta acima das outras. Uma coluna de pedra sustentava antigamente três lampiões de azeite, farol para os mareantes.
Nas festas realizadas em honra do Santo, fazia-se uma procissão, onde se ostentavam três andores – o de S. Sebastião, o da Virgem Nossa Senhora da Conceição e o do Corpo Santo.
O compromisso antigo da Confraria, que era de 1744, foi substituído pelos Estatutos de 1900, onde se verifica ser um dos fins dela promover a festividade do Santo Padroeiro. (2)
Diz a tradição leceira que, a 2 de Novembro de 1557, quando uma nau, de seu nome “Senhora da Conceição” se aprontava para demandar a barra do Douro, súbito furacão a transpôs para sobre os “Leixões”, pondo-a em evidente perigo.
– “ Corpo Santo, salvai-nos!” – foi o grito lancinante emitido ao céu pelo piloto Bessa, logo seguido de outros idênticos, de toda a tripulação, numa apavorada e terrificante ladainha, de mistura com choro, gritos, ordens e o cavo fragor das encapeladas ondas, instigadas pela inesperada tempestade.
De pronto, “uma enorme tromba marinha de mais de 26 pés de altura (8 metros e meio), tomou a nau em peso e deixou-a aprumada e livre de perigo a mais de 15 braças (27 metros e meio), dos penedos”.
– “Milagre! Milagre do Corpo Santo!” – brada a tripulação, de início temerosa, depois atónita e, finalmente, alegre, por se ver salva daquele certo, infalível naufrágio.
Aportada a nau ao, ao Douro, e fundeada no “Cais das Pedras”, logo a marinhagem desembarcou e, – descalços, de fatos de oleado negro; a vela grande aos ombros, rezando e cantando, – se pôs a caminho da “Ermida das Almas do Corpo Santo”, em Massarelos que, então, ficava na Rua da Boa Viagem.
Cumprida a promessa, e para recordar o milagre realizado por S. Pedro Gonçalves Telmo, em suas pessoas, prometeram construir, em São Miguel da Palmeira, uma capela sob a sua invocação, semelhante à de Massarelos. E assim a foram fazendo, nos anos próximos seguintes.
São vários os documentos que confirmam a existência desta capela. Assim no “Catálogo e História dos Bispos do Porto, de D. Rodrigo da Cunha, em 1623,é mencionada entre as outras seis, daquele tempo, em São Miguel da Palmeira.
Descobrimos nova referência no Arquivo Distrital do Porto (M-7, fl.394), em que a 27 de Novembro de 1733, tendo falecido Ana Miguéis, viúva de Manuel Ribeiro de Sequeira, deixou, em seu testamento:
“Ao Corpo Santo, uma moeda de ouro de 4.800 (réis) a qual não darão, meus testamenteiros senão para as grades da capela do dito Santo; e não se fazendo dentro em 4 anos, se dará aos pobres.”
Nas “Memórias Paroquiais de 1758”, do Arquivo Nacional da Torre do Tombo, alínea 13, se poderá ler:
“ Dentro deste lugar (São Miguel da Palmeira) estão quatro capelas: a de Santa Catarina, junto ao mar; a do Corpo Santo, na parte mais levantada dele; a do Espírito Santo, no meio; a de Nossa Senhora da Apresentação, junto ao princípio da ponte.”
Ao finalizar o séc. XIX, a capela encontrava-se em muito mau estado de conservação. Valeu a generosidade do Irmão da Confraria de São Pedro Gonçalves, José Rodrigues de Oliveira, que a expensas suas a recuperou. Na sacristia desta capela existe uma placa de mármore com a seguinte inscrição:
FOI REFORMADA, ESTA CAPELLA E ADRO, EM 1900, A EXPENSAS DO BENEMÉRITO IRMÃO JOSÉ RODRIGUES D’OLIVEIRA.
A MEZA RECONHECIDA MANDOU COLLOCAR ESTA LAPIDE
EM 22-4-1900
Próximo de 1967, fizeram-se grandes obras nesta capela: o telhado foi todo revisto e nele aplicado telha nacional dupla; das paredes exteriores retirado todo o reboco ocultante da pedraria; nessa operação apareceu, entaipada na fachada Norte, uma porta medieval, que se deixou a descoberto. No interior, as paredes do corpo da capela foram adequadamente revestidas e pintadas; o soalho devidamente consertado.
No interior da capela existem várias imagens das quais se destacam:
São Pedro Gonçalves Telmo
Nossa Senhora com o Menino
São José
Senhora da Conceição
São Domingos de Gusmão
São Vicente
Serafins
Nau “Nossa Senhora da Conceição” (3)
(1)- informações e fotos gentilmente compiladas e cedidas pelo Vereador da Cultura da Câmara Municipal de Matosinhos, Dr. Fernando Rocha.
(2)- informações recolhidas no livro Fogo de Santelmo de Augusto César Pires de Lima de 1943.
(3)- informações recolhidas no livro Capelas de Leça da Palmeira de Jorge Bento de 1993.