Em 1394 (ano do nascimento do Infante D. Henrique) fundava-se, no Porto, a Confraria das Almas do Corpo Santo de Massarelos em cumprimento de um voto de marinheiros.
Como atesta o documento existente no Arquivo da Confraria, o Capitão António Espírito Santo Silva e o Gageiro Inácio de Sousa, do Galeão S. Pedro e mais vinte e sete homens da tripulação do navio fizeram o voto de erguer uma ermida a S. Pedro Telmo em agradecimento pelo milagre que lhes fez durante uma viagem de Londres para o Porto.
Foi o caso que, no caminho, quando chegaram ao Mar da Biscaia, um violento temporal lhes partiu o mastro da proa e arrancou todas as velas do mastro grande, destruindo o leme, deixando o navio desgovernado durante três dias e três noites, só amparado pelas tábuas do porão, a meter água em grande quantidade, em risco de se afundar.
Tendo o Gageiro subido ao mastro real para sondar o horizonte, pediu a proteção de S. Telmo, advogado dos marinheiros e logo a sua imagem lhe apareceu no topo dos mastros, com três faróis acesos, acalmando-se o mar e avistando terra. Depois uma brisa benigna e favorável levou-os até ao porto de Vigo, onde desembarcaram. No dia seguinte, foram em procissão, descalços e pedindo esmola, ao túmulo de S. Telmo a Tui, onde juraram em agradecimento, levantar uma ermida ao Santo, na sua terra.
Consertado o navio regressaram ao Porto a 20 de Dezembro de 1394 e logo se organizaram em Confraria para dar cumprimento ao voto.
A Confraria nasceu, assim, em cumprimento de um voto religioso estando igualmente ligada a um ofício – o ofício de marinheiro – e teve por patrono o patrono dos marinheiros.
No mesmo ano,1394, nasceu ali bem perto, o Infante D. Henrique. Natural foi portanto o convite ao jovem príncipe para assumir o papel de primeiro Juiz Honorário da Confraria acabada de nascer.
É muito provável que o convite se destinasse a garantir para a Confraria a proteção, o interesse e a ligação moral de um membro da Família Real o que provavelmente lisonjearia todos os mercadores e marinheiros da cidade.
Morto o Infante D. Henrique, sempre a Confraria tentou ter como Juízes pessoas de grande valor nacional e de algum modo ligadas à atividade marítima como eram alguns Capitães das Índias.
O período de domínio espanhol (1580-1640), trouxe de novo a Confraria para a ribalta com vários acontecimentos ligados à resistência contra Espanha.
Um dos pretendentes ao trono de Portugal era D. António Prior do Crato que reunia o apoio de vários elementos da Confraria. Isso valeu, a esses confrades, o confisco dos seus bens e mesmo a perseguição. Poe esta altura dá-se um episódio marcante na história da Confraria que viria a ser conhecido pela Praia dos Insurrectos.
A Confraria possuía uma pequena frota de navios mercantes com que angariava os bens necessários às suas obras de benemerência. Durante o domínio espanhol, Filipe II decide organizar contra a Inglaterra a “Armada Invencível” e requisita todas as embarcações disponíveis, entre elas, as da Confraria, que se encontravam ancoradas no Douro. Tendo o Juiz Provedor da Confraria, transmitido aos marinheiros as instruções de aparelhar às ordens de Espanha, logo ali se revoltaram, queimando a bandeira espanhola e desertando para que as embarcações ficassem imobilizadas por falta de tripulação. Daí que a praia fluvial do Douro onde o episódio ocorreu passasse a chamar-se, por designação popular, Praia dos Insurrectos.
A resposta das autoridades espanholas foi imediata: as embarcações foram tripuladas por outros homens, o Juiz Provedor e vários confrades foram presos e a Capela foi revistada e saqueados vários e valiosos objetos.
No entanto, em 1640, Portugal iria libertar-se do domínio espanhol e uma vez mais a Confraria assumiu protagonismo já que entre os revoltosos se incluía o seu Juiz Provedor.
O novo Rei de Portugal, D. João IV, encarregá-lo-ia da construção do Forte do Queijo integrado na linha de defesa marítima contra possíveis represálias espanholas e que é hoje um emblemático monumento do Porto – o Forte de S. Francisco Xavier, mais conhecido por Castelo do Queijo.
Em 1643, o Rei D. João IV concedeu privilégios e isenções marítimas aos navios que arvorassem o pavilhão da Confraria em todos os portos do Reino e nos seus domínios. Ressurgiu assim A Confraria em toda a pujança de todas as suas tradicionais atividades assistenciais, educativas e marítimas.
Assim se manteve até às invasões francesas altura em que foi de novo pilhada e defraudada, começando a viver com dificuldades de recursos que lhe diminuem a atividade. As lutas civis entre Miguelistas e Liberais agravam ainda mais a situação débil e por extinção dos privilégios anteriormente concedidos, aos poucos os seus navios vão desaparecendo.
Sem bens materiais não pode continuar as suas obras de benemerência e assistência e sem navios não pode ensinar a navegar pelo que cessa toda a sua atividade e com ela o seu prestígio na cidade e nos marinheiros do Douro.
Até que em 1994 a Confraria decide dinamizar a nível nacional as comemorações do 6º centenário do nascimento do seu primeiro Juiz Honorário, o Infante D. Henrique, com um programa ambicioso e grandioso em que foi envolvida toda a sociedade civil e religiosa, renascendo assim das cinzas. Este foi um grande contributo da Confraria para a dignificação da História de Portugal e do seu Povo.
Hoje a Confraria, fiel aos seus princípios ainda que noutros moldes, continua a privilegiar a ação sócio caritativa, a divulgar a sua história, a venerar o seu Padroeiro S. Telmo e a preservar e recuperar o seu espólio artístico e documental.
Pretende deste modo honrar o passado, ser protagonista e digno no presente e preparar o futuro.
Atualmente a Confraria celebra o dia do seu Padroeiro com procissão, eucaristia solene, entronização de novos confrades e distribuição do “pão do fastio” no sábado mais próximo do dia 14 de Abril de cada ano (dia reservado a S. Telmo no calendário litúrgico e que corresponde ao dia da sua morte ocorrida em 1246 em Tui). O “pão do fastio” era um remédio muito procurado outrora para o enjoo pelos tripulantes das naus e pelas mulheres grávidas. Este remédio nasceu do milagre atribuído a Frei Pedro Gonçalves quando pregava o dogma da trindade: perante uma epidemia, caraterizada por fastio mortal, os doentes saravam mal comiam o pão benzido pelo pregador.
Falemos agora da Igreja do Corpo Santo de Massarelos que resultou de sucessivas ampliações da Capela original edificada em 1394.
A Igreja do Corpo Santo de Massarelos fica situada no Largo do Adro, ao fundo da rua da Restauração e pertence à Confraria das Almas do Corpo Santo de Massarelos. A Igreja, tal como a conhecemos hoje, foi construída em 1776 e é o culminar de várias ampliações da capela original edificada em 1394 que corresponde à zona onde se situa atualmente o altar- mor.
A fachada principal, guarnecida com azulejos, é dividida em três partes, por pilastras, tendo na parte central um portão com frontão partido, ao cimo do qual se encontra um nicho que guarda a imagem do padroeiro, S. Telmo, ladeado por duas colunas rematadas com capitéis coríntios. O entablamento é singelo, com trabalho lavrado rodeando o janelão, que o remata em forma de concha, elemento que remata igualmente as janelas. Aos lados, as torres sineiras rematadas com ornatos em cada face são encimadas por uma cruz de ferro.
O alçado nascente-sul da Igreja, virado ao rio, tem um painel de azulejos comemorativos do V Centenário da morte do Infante D. Henrique (1960) da autoria do pintor portuense Mendes da Silva e executado pela fábrica de Louça das Devezas, onde se encontram representados o Infante D. Henrique e S. Telmo. Por cima do painel de azulejos, encontra-se uma cruz de Cristo sob a qual está inscrita a data de 1394 que corresponde ao ano da construção da capela original.
Ao entrar pela porta principal, à direita, encontra-se numa reentrância da parede, a imagem do Senhor dos Passos. No lado esquerdo e junto à porta principal, encontra-se um imponente
quadro a óleo que representa, ao alto, a Santíssima Trindade: o Filho abraça-se a uma cruz, junto à qual a figura da Esperança segura uma âncora, a cujo cabo prende a mão S. Pedro Gonçalves Telmo; em baixo, à esquerda, está pintado um letreiro que diz:
“TRIMPHO DA GRASSA SOBRE A NATUREZA”
A nave é composta por seis altares revestidos a talha dourada, distribuídos da seguinte forma:
-no 1º altar da direita, encontra-se a imagem de Santo António, de estatura normal, de uma invulgar perfeição.
-no 2º altar da direita, encontra-se a imagem de Nossa Senhora da Conceição por baixo da qual, à esquerda, se encontra a imagem do Menino Jesus de Praga e à direita a imagem de S. Bento. Na base do altar encontra-se a imagem de Santo Ovídio.
A imagem de Nossa Senhora da Conceição, que dizem ser a mais antiga que existe na cidade do Porto, é escultura nacional do séc. XVII, foi esculpida pela madre Leocádia da Conceição, religiosa do Convento de Monchique.
À imagem de Nossa Senhora da Conceição foram feitas várias ofertas ao longo dos tempos destacando-se entre elas um manto bordado a ouro oferecido por D. Maria I que antes lhe envolvia os ombros e um colar de pérolas e safiras oferecido por D. Luís de Ataíde.
-no 1º altar do lado esquerdo, encontra-se a imagem do Sagrado Coração de Jesus.
-no 2º altar do lado esquerdo, encontra-se a imagem do Senhor Jesus Cruxificado com Nossa Senhora das Dores, sentada a seus pés. Por baixo, à esquerda, encontra-se a imagem de S. Sebastião e à direita a imagem de S. Brás. Na base do altar encontra-se, em tamanho natural, a imagem do Senhor Morto.
A seguir ao 2º altar do lado esquerdo, encontra-se um espaço onde se encontra exposta a imagem do Senhor preso à coluna. Por cima dos altares que ladeiam o arco cruzeiro e em ponto elevado, encontram-se, metidas em nichos abertos no granito, as imagens de S. Pedro e S. Paulo. No altar da esquerda do arco cruzeiro, encontra-se a imagem de Nossa Senhora de Fátima na base da qual se encontram as imagens dos Beatos Francisco Marto e Jacinta Marto.
No altar da direita do arco cruzeiro, encontra-se a imagem de São José por baixo da qual, à esquerda, se encontra a imagem de Nossa Senhora da Conceição e à direita a imagem de Santa Teresinha. Na base do altar encontra-se a imagem de Santa Luzia. Na nave principal, encontram-se, face-a-face e entre os altares laterais, dois púlpitos com parapeitos de talha dourada.
Na capela-mor, a mesa do altar é uma valiosa peça de talha, assim como os balcões que guarnecem as janelas. Por trás do altar, encontram-se várias imagens assim distribuídas:-em cima à esquerda, encontra-se a imagem de S. Telmo aos pés do qual se encontra a miniatura da Nau Nossa Senhora da Conceição que era um dos barcos da Confraria das Almas do Corpo Santo de Massarelos, oferecido, por promessa que fez no Brasil a S. Telmo, um dos Irmãos da Confraria.
-em cima à direita encontra-se a imagem de Nossa Senhora do Rosário
-em baixo à esquerda encontra-se a imagem de Santo António
-em baixo à direita encontra-se a imagem de São João
Ainda na zona do altar-mor encontra-se uma das peças mais valiosas e querida para todos os Irmãos da Confraria das Almas do Corpo Santo de Massarelos. Trata-se de um busto de S. Telmo onde está depositada uma relíquia do Santo, mais concretamente um osso. Essa relíquia foi transladada diretamente da Sé Catedral de Tui, local onde S. Telmo está sepultado, para a nossa Igreja, em Junho de 2005. Na sacristia, espaçosa e com boa luminosidade, encontram-se expostas várias das imagens que pertencem ao espólio da confraria bem como vários objetos de culto e peças várias que documentam a vida da Confraria e da Igreja ao longo dos tempos. (1)
(1)- informações recolhidas do Arquivo da Confraria das Almas do Corpo Santo de Massarelos e do livro “Fogo de Santelmo” de Augusto César Pires de Lima editado em 1943.